Com a volta dos vazamentos, Palmeiras torna a ser vítima de si mesmo

A Academia de Futebol, local de trabalho sagrado, se manteve livre de vazamentos nos quatro anos da gestão de Paulo Nobre.

O ex-presidente manteve blindado o local por onde circulam os atletas e comissão técnica para evitar que informações de dentro para fora (e também no caminho inverso) tumultuassem o ambiente.

Paulo Nobre fez muitas inimizades no clube por conta disso. Conselheiros habituados a frequentar a Academia – e também o vestiário, no momento do banho dos jogadores – perderam esse acesso; alguns até procuraram a imprensa para reclamar.

Nos últimos dois anos, amparado pela força do time e pela gestão impecável, Nobre tornou o ambiente absolutamente selado; não por coincidência, levantamos dois títulos importantes.

Maurício Galiotte
César Greco / Ag.Palmeiras

Hoje, entretanto, além da livre circulação pela Academia e até nos ônibus da delegação, há conselheiros influentes que adoram soltar tudo para a imprensa. Poucos personagens têm tanta proximidade com a Crefisa para saber exatamente com quanto a empresa apoiou o clube nesta ou naquela contratação. Basta conhecer um pouco dos bastidores do clube para saber quem são os vazadores. E o pior é que são veteranos que ocupam ou ocuparam cargos importantes e que não deveriam mais ceder ao deslumbre de ser fonte da imprensa e de influenciar nos noticiários.

Maurício Galiotte tem em sua força política alianças com outros grupos, depois de se afastar de Paulo Nobre. E para governar não pode ser tão rígido quanto o antecessor. Por isso, fez algumas concessões, até compreensíveis. Eduardo Baptista, que acabara de chegar, não teve parâmetros para cobrar mais sossego – achou normal. Mas Cuca, que sabe como é trabalhar em paz no Palmeiras, provavelmente vai achar ruim.

O fato é que muitos vazamentos invadiram o noticiário. Alguns são invenções, outros verdadeiros. Mas uma coisa é certa: quando nenhum boato se confirma, ninguém leva os seguintes a sério. Basta um vazamento se confirmar, para todos, até os mais absurdos, passarem a  ter algum valor.

O presidente precisa tomar atitudes no sentido de restringir o acesso aos ônibus e hotéis da delegação e à Academia de Futebol, bem como providenciar o silenciamento dos boca-abertas que não podem ver um repórter que já se arreganham.

Cobrança

Mauricio Galiotte foi cobrado na noite de ontem pelo grupo político Fanfulla. Abaixo, a íntegra do texto enviado pelo grupo, preocupado com a falta de blindagem do elenco, ao presidente:

O Grupo Fanfulla vem por meio desta manifestar sua preocupação com os constantes vazamentos de informações que estão chegando na imprensa ultimamente, causando situações de constrangimento e embaraço para a comissão técnica e jogadores, o que pode afetar o rendimento do time e por consequência colocar em risco os objetivos esportivos da temporada.

Sabemos que uma das grandes virtudes das últimas temporadas, que culminaram com as conquistas da Copa do Brasil em 2015 e do Campeonato Brasileiro em 2016 foi a rigorosa blindagem da Academia de Futebol. Nossos atletas e comissão técnica tiveram paz absoluta para focar em treinar e jogar, e as conquistas foram uma consequência natural dessa tranquilidade.

Mas infelizmente notamos que as notícias de bastidores do Palmeiras voltaram a invadir os programas de TV e rádio e os sites esportivos. Boa parte delas são apenas reflexo de boataria infundada, mas por outro lado sabemos que algumas notícias que deveriam permanecer intra-muros são reais. São esses pequenos vazamentos verdadeiros (por exemplo, o valor das luvas a serem pagas ao Cuca pela Crefisa) que dão força para que os boatos mentirosos ganhem força.

A Academia de Futebol precisa ser um ambiente hermético. Nenhuma pessoa alheia ao futebol deve ter acesso ao local de trabalho de nossos atletas, com as devidas e compreensíveis exceções. Mas o que notamos é que essas interações perigosas viraram regra, tanto no dia-a-dia dos treinos quanto nas viagens.

Compreendemos que a governabilidade em nosso clube exige alguma flexibilidade com todas as correntes políticas, mas algumas contrapartidas estão colocando em risco o bom andamento das atividades do time de futebol, nosso maior orgulho. É por essas razões que o grupo Fanfulla pede à presidência atenção especial à blindagem da Academia de Futebol e ao fluxo de informações que deveriam permanecer dentro de nossa comunidade, sem alimentar o noticiário.

Grupo Fanfulla

O pensamento vivo de Mustafá

Mustafá Contursi
Keiny Andrade/Folhapress

Mustafá Contursi concedeu uma longa entrevista publicada ontem na Folha de S.Paulo. Nela, com a mesma habilidade com que manipulou o Conselho e reescreveu o estatuto do clube, o que lhe confere poder eterno no clube, nega tal influência. Crê piamente em seus conceitos claramente ultrapassados e atua fortemente para reimplantá-los no Palmeiras. O material completo pode ser lido aqui.

A entrevista começa com uma grande pérola. Perguntado sobre o que o clube precisa fazer nos próximos anos, crava: redução de 20% das despesas em todos os setores. Mustafá tem a percepção de que o clube está gastando muito sem ponderar que, pela primeira vez em décadas, o clube consegue ser superavitário ao mesmo tempo que consegue resultados expressivos. Em seu pensamento, não importa ter as contas equilibradas; o que não pode é gastar – mesmo que esse investimento seja o combustível para as receitas extraordinárias que o Palmeiras alcançou. Mustafá confunde austeridade com avareza.

A recomendação de cortar 20% em cada área é patética. Mustafá defende uma medida que não pode se aplicar nem em orçamento doméstico. Provavelmente deve achar que o investimento na implantação do SAP no clube foi dinheiro jogado fora. O papel de pão ainda deve lhe ser de grande valia.

Mustafá bombardeia o departamento de marketing e justifica, criticando uma suposta deficiência na força de vendas. Para isso, usa o fato da Crefisa ter batido na porta do Palmeiras para fechar o patrocínio, e não o contrário. Segundo Mustafá, os profissionais que desenvolveram dezenas de contratos de licenciamento e fizeram do Avanti um sucesso estrondoso usam o Palmeiras como cabide de emprego. Para ele, marketing é apenas sinônimo de “departamento comercial”.

Com todos esses conceitos, não é à toa que, quando o futebol do Palmeiras esteve de fato sob seu controle, tivemos um desempenho digno de uma Portuguesa. Não compreende que o futebol mudou, que novas metodologias foram desenvolvidas, que o mercado está muito mais dinâmico e que para se ter um elenco com 30 jogadores dignos de vestir nossa camisa, é necessário ter bem mais que isso sob contrato, pois jamais alguém acerta 100% das contratações. Hoje, jogador que não dá certo é realocado por empréstimo, e a fila anda. O que não pode é ter um monte de atleta disputando Bobinho Open em Guarulhos – ou colocá-los no Palmeiras B, uma de sua invenções que sangrou os cofres do clube por anos.

Alexandre Mattos é uma máquina de fechar contratos, seja para reforçar o Palmeiras, seja para aliviar nossa folha de pagamento com os jogadores que ficam fora dos planos. Para Mustafá, hoje no Palmeiras há muitos profissionais que trabalham apenas em interesse próprio. Incomoda demais ao velho cartola perceber que o setor mais importante do clube esteja nas mãos de um “forasteiro”.

Poder

Mustafá Contursi age nas sombras. Como um mestre da manipulação, construiu durante anos sua fortaleza de poder. Trilhou o caminho da presidência nos anos 70 e 80, para alcançá-la no início dos anos 90, no melhor momento possível: quando a Parmalat havia acabado de entrar no clube e exercia a co-gestão do futebol. Dinheiro não era problema, e os títulos mascaravam todo o resto.

Por resto, entenda-se uma enorme puxada de tapete: seguindo a sucessão de arranjos políticos da casta que comanda o clube há seis ou sete décadas, Seraphim Del Grande era o próximo da fila para assumir a presidência do clube após os dois mandatos de Mustafá. Mas aquela cadeira parece ter mel. Mustafá usou a influência que pode ter um presidente do Palmeiras para solidificar a lealdade eterna de dezenas de conselheiros. Deixou Seraphim na mão, passou por cima do estatuto e ficou na presidência o quanto quis – o tempo necessário para moldar o clube à sua imagem e semelhança. Todos os departamentos do clube social foram controlados por alguém indicado ou abençoado por ele. Os votos nas eleições eram direcionados nesses pequenos feudos aos candidatos de sua chapa.

Não havia democracia. O grupo que se insurgiu contra ele, o Muda Palmeiras, capitaneado por Seraphim Del Grande e Luiz Gonzaga Belluzzo, não podia nem usar camisetas de ordem pelo clube: quem ousasse protestar, tinha o adereço retirado e era expulso do quadro associativo. Uma lista negra foi construída por seus pequenos passarinhos, que espionavam os fóruns de internet e anotavam os nomes de torcedores que representavam um potencial perigo. Quando estes palmeirenses tentavam ficar sócios do clube, eram barrados. Marcos Kleine, guitarrista do Ultraje a Rigor, é o exemplo mais famoso – mas há dezenas de casos.

Na base do terror, Mustafá cravou suas garras no clube, e só perdeu o poder quando provou de seu próprio veneno, quando Affonso Della Monica o surpreendeu e se aliou à oposição para conseguir seu segundo mandato. As portas para o Muda Palmeiras se abriram, e o Palmeiras finalmente  conseguiu montar bons times entre 2008 e 2009. Mas passou rápido e foi infrutífero.

Apesar de palmeirenses legítimos com grande preocupação com o futebol, a Muda Palmeiras, que deu origem à chapa UVB, tem quadros também muito fracos; o máximo que conseguiram foi um Paulistão. Pior: no mandato seguinte, Belluzzo não conseguiu recuperar os investimentos pesadíssimos, não os converteu em mais títulos e teve um seriíssimo problema de saúde, deixando o clube com um enorme vácuo de poder. Como resultado de tudo isso, Mustafá voltou com tudo, recuperou facilmente o apoio dos conselheiros que o haviam traído e conseguiu colocar na cadeira o presidente mais incapaz possível: Arnaldo Tirone, também conhecido como Pituca, o Loiro.

“O MEU clube”

Mesmo com todo esse histórico, Mustafá teve a desfaçatez de declarar à Folha que não tem apego à política do clube. Diz que se deixou envolver e que agora tem responsabilidades, como se não tivesse escolha. Quem circulou por muitos anos pelas alamedas e mais de uma vez o ouviu se referir ao Palmeiras como “o MEU clube”, em discursos que transbordavam ostentação de poder, tem sérias dúvidas sobre essa declarada falta de apego.

A última demonstração de poder foi a mudança de data de associação de Leila Pereira, dona da Crefisa. Mustafá usou o gosto pela publicidade de Leila para acolhê-la em sua chapa – com o marido, José Roberto Lamacchia, na aba. Os dois emplacaram suas eleições e puxaram mais de dez conselheiros para a chapa de Mustafá, que assim ampliou consideravelmente sua base de poder, que diminuía eleição após eleição.

Mustafá só respeita o dinheiro. Foi assim que Paulo Nobre conseguiu habilmente impor o profissionalismo no clube – na hora da discussão, as operações financeiras propostas pela equipe de Nobre, e conseguidas com seu prestígio financeiro, eram irrefutáveis.

Maurício Galiotte não tem esse prestígio financeiro e parece não ter envergadura política para manter a roda girando. Mustafá, com sua meta de 20%, já está manipulando a troca da competente diretoria que nos levou ao topo do futebol brasileiro pela turma do papel de pão. Inclua nesse bolo, quem diria, a UVB, aquela que lhe jurou ódio eterno em nome do amor ao Palmeiras. Como vemos, o amor era mesmo ao poder.

Coragem

Os frutos que colhemos em campo hoje foram plantados na gestão passada. Os ótimos resultados, como nos anos 90, cegam os associados e a torcida para o que acontece nos bastidores.

Toda uma estrutura está prestes a ser desmontada e a tendência é voltarmos ao estágio de 15 anos atrás – com a diferença que as receitas continuarão a ser enormes, mas não serão direcionadas ao futebol. Afinal, Mustafá defende claramente o fortalecimento do “quadro associativo” – seu grande curral eleitoral. Para sustentar esse enorme elefante, nada melhor que o dinheiro que mantém a hoje magnífica estrutura do futebol. Mas para Mustafá, é simples: “é só mandar gente embora”.

Pelo bem do Palmeiras nos próximos anos, precisamos que Maurício Galiotte encontre um jeito de manter a máquina funcionando. Além de habilidade política para compensar a falta de estofo financeiro, vai precisar de bastante coragem. Terá?

Thiago Martins sofre séria lesão e é mais um aos cuidados do “novo” departamento médico do Palmeiras

Thiago Martins
César Greco / Ag.Palmeiras / Divulgação

O zagueiro Thiago Martins sofreu uma séria lesão no joelho esquerdo e deve ficar de fora das atividades com bola por até seis meses. No jogo-treino contra o Jabaquara, realizado no sábado, o zagueiro teve o ligamento cruzado anterior rompido. Ele se junta a Moisés, também com uma lesão grave de joelho, nas sessões de tratamento e fisioterapia que devem começar após a necessária intervenção cirúrgica.

As duas ocorrências colocam à prova os médicos promovidos das divisões de base no início do ano, após as demissões de Rubens Sampaio, Vinicius Martins e Otávio Vilhena. O departamento hoje é coordenado pelo dr. Gustavo Magliocca, que comanda uma equipe de médicos e fisioterapeutas bastante jovens – o mais experiente tem 37 anos de idade.

Sem qualquer conhecimento na área médica, não temos a menor condição de julgar seu trabalho. A única forma de criarmos qualquer juízo é pelos resultados e pelo tempo de recuperação – e mesmo assim, continua sendo mero palpite, pois não temos elementos para avaliar se determinada recuperação foi rápida ou lenta. Cada caso é um caso.

Resta, à distância, torcer para que as escolhas do presidente Maurício Galiotte, tanto na demissão quanto na promoção, tenham sido acertadas, e que a jovem equipe dê conta da responsabilidade de recuperar os atletas do Palmeiras o mais rápido possível, dando-lhes plena condição de performar em alto nível sem risco de reincidência.

“Elenco inchado”

A perda de Thiago Martins traz mais uma vez à tona as críticas da imprensa ao elenco supostamente inchado do Palmeiras. Com cinco zagueiros no elenco, o clube se vê num dilema entre ir ao mercado para repor a perda ou apostar em Augusto, um dos destaques do time sub-20 nas últimas temporadas e que completa 20 anos no próximo mês.

No ano passado,  o time contou com cinco zagueiros. Roger Carvalho, o quinto zagueiro, jogou apenas sete partidas, todas no início da temporada, enquanto Marcelo Oliveira estava ainda testando o elenco para definir os titulares.

Com quatro zagueiros, sendo três de nível comprovadamente superior (Mina, Vitor Hugo e Dracena), os riscos de desfalque são aceitáveis num primeiro momento. Antônio Carlos tem um excelente porte físico e fez uma boa temporada na Ponte Preta em 2016, e em princípio merece nossa confiança. E em caso de necessidade, caso Augusto não conquiste a confiança do treinador, tanto Fabiano quanto Thiago Santos podem quebrar o galho no decorrer de um jogo.

Alexandre Mattos, no entanto, certamente está com o radar ligado. No caso de uma infeliz coincidência de perdermos mais um zagueiro por um longo período, a busca por um reforço será inevitável.

“Acaso” exagerando contra nós

Depois de duas perdas por lesão grave de joelho, temos que torcer para que o “acaso” nos dê uma folga. A se verificar a forma como se deu a lesão de Thiago Martins; a perda será mais fácil de engolir em caso de uma torção por obra do acaso, por uma infelicidade na movimentação. Será inaceitável que tenha sido causada por uma entrada estabanada por um jogador do Jabaquara num mero jogo treino.

Criticamos os estaduais por expor nossos jogadores a esse tipo de situação, e será inadmissível que haja uma ocorrência dessa gravidade numa atividade interna por ocasião de um choque.

Palmeiras-Parmalat: revisitando as características da parceria

* por Douglas Monaco

Antônio Carlos e EdmundoUma questão que, neste começo de 2017, tem chamado atenção do público do esporte em geral e de nós palmeirenses em particular é a aparente iminência de ascensão dos patrocinadores – Crefisa/FAM – a patamares mais elevados de investimento e proeminência no clube.

Um ponto de destaque é a inserção da proprietária das empresas na vida política do clube: tornou-se sócia, tem encaminhada uma candidatura ao Conselho Deliberativo e, segundo se diz, tem plano de eleger-se presidente do clube.

À parte as discussões de legalidade e pertinência do processo, ouvem-se comparações entre este momento presente e a Era Parmalat. As alegações são que o caso atual teria na Parceria com a Parmalat um precedente que o legitimaria.

O objetivo deste texto não é validar ou contestar o momento atual. O propósito é meramente recuperar as características do acordo entre Palmeiras e Parmalat que vigorou entre abril de 1992 e dezembro de 2000. A premissa do exercício é que, tendo-se passado tanto tempo, a lembrança da coisa não é tão viva e as comparações ficam prejudicadas.

Por, além de ser palmeirense, eu ter cumprido uma obrigação acadêmica em 1996[1] escrevendo sobre o “Caso Parmalat”, tenho um registro forte de tudo o que se passou, dai aventurar-me a recuperar as informações da época.

A Parceria

Em linhas gerais, a Parceria teve as seguintes características.

  1. Pelo acordo, a Parmalat pagava ao Palmeiras uma verba regular de patrocínio e, simultaneamente, disponibilizava ao clube jogadores qualificados, sem custo para o clube;
  2. Na venda de jogadores, o Palmeiras tinha direito à “taxa de vitrine”, uma porcentagem sobre o lucro. O número declarado à época era 20%;
  3. As propriedades comerciais básicas cedidas pelo Palmeiras eram ligadas ao futebol e, por um tempo, ao voleyball: estampava-se a marca da empresa isolada no peito da camisa desses dois esportes, o que hoje se chama de patrocínio máster;
  4. Havia também propriedades comerciais sediadas no estádio: a publicidade estática foi, por um bom tempo do contrato, exclusivamente cedida à Parmalat; somente na fase final do contrato, esse espaço foi compartilhado com outras marcas;
  5. O acordo impunha também uma coisa chamada cogestão do futebol: a cogestão impunha decisões colegiadas relativas ao departamento de futebol profissional do clube: a palavra final sobre organização, planejamento, direção e controle do futebol seria sempre dada por dois participantes do clube e dois da Parmalat;
  6. Os números[2] à época eram astronômicos para o mercado brasileiro que, no início do acordo, ainda vivia a fase final da hiperinflação, só debelada em 1994 com a criação da moeda Real
    • O patrocínio regular trazia 750 mil cruzeiros mensais ao Palmeiras: até aí, um número razoável;
    • Mas, as contratações de jogadores eram vultosas: em 1992, Sorato, Cuca, Maurílio, Zinho e Mazinho; em 1993, Roberto Carlos, Antônio Carlos, Edilson, Edmundo e Cléber; em 1994, Rincón, Rivaldo, Alex Alves e Paulo Isidoro; em 1995, Cafu, Mancuso, Muller, Nilson, Djalminha e Luizão; em 1996, Junior, Sandro, Viola e a volta de Rincón; em 1997, Oséas, Euller, Alex, Zinho de volta; em 1998, Arce, Paulo Nunes e Júnior Baiano; em 1999, voltas de César Sampaio e Evair, Asprilla …. A lista é comprida.
    • O custo médio das contratações oscilava entre 1,5 e 3,5 milhões dólares. Zinho e Roberto Carlos custaram perto de 700 mil dólares cada, Antônio Carlos 1,4 milhões, Edilson 1,3 milhões, Edmundo 1,8 milhões, Rivaldo 2,5 milhões, Cafu 3,5 milhões (mais a multa, dada a triangular feita com o Zaragoza da Espanha que o teve por um semestre até ele poder jogar aqui em meados de 1995, algo imposto por cláusula de venda entre SPFC e Zaragoza em dezembro de 1994); Djalminha e Luizão custaram juntos perto de 5,5 milhões, Paulo Nunes pouco mais de 3 milhões, etc.
  7. Os resultados foram marcantes: 3 campeonatos paulistas, 2 brasileiros, 2 Rio-São Paulo, uma Copa do Brasil, uma Copa Mercosul, uma Copa Libertadores; 10 títulos em 8 anos.

Análise e fundamentos teóricos

Mas, além de dados e informações, é importante também recuperar-se o significado do acordo para seus parceiros, i.e., o que ambos ganhavam com a Parceria, que os motivava a manterem-se na mesma.

Para a Parmalat, o Palmeiras significava:

  1. Visibilidade acelerada: um patrocínio convencional – sem a colocação de jogadores qualificados – traria um grau de exposição significativamente menor do que a atenção incandescente que o acordo produziu à época. A empresa de assessoria de imprensa visitada à época do trabalho relatava que o número de citações de “Parmalat” equivalia a 20 vezes o valor de anúncios pagos nos respectivos órgãos de comunicação.
  2. Posicionamento da marca: o logo Parmalat e seus atributos passaram a ser lidos de maneira qualificada pelo mercado em geral de consumidores e de empresas de comunicação.
  3. Impacto no crescimento geral da empresa: o aumento acentuado da captação de leite e a aquisição de fábricas dentro do país foram viabilizados pela visibilidade acelerada e pelo novo posicionamento da marca Parmalat.
  4. Impacto nas vendas: leite e derivados produzidos pela empresa tiveram crescimento de vendas vertiginoso.
  5. O futebol como centro de lucro: com o tempo, as compras e vendas de jogadores passaram a gerar caixa líquido para a empresa. Segundo se sabia, parte desse caixa líquido era reinvestido na própria Parceria.

Para o Palmeiras, a Parmalat significava

  1. Recurso físico: jogadores com que o clube jamais poderia sonhar à época e eram trazidos pela empresa.
  2. Fonte de renda: a verba de patrocínio mais a taxa de vitrine.
  3. Impacto na arrecadação do clube: bilheteria, quotas de televisão e receitas em geral do futebol foram ampliadas dado o patamar técnico – condizente com sua tradição – que o time pode retomar em consequência da Parceria.
  4. Capacidade gerencial: a experiência da Parmalat em gerir exportes era muito mais qualificada do que o Palmeiras possuía. No âmbito da Parceria, essa competência foi posta à disposição do clube.
  5. Separação do futebol: a Parceria permitiu que a atividade futebol fosse isolada administrativamente das outras atividades do clube SE Palmeiras. Com isso, pode-se reduzir o impacto da atividade política – natural de uma entidade de associados – sobre a gestão do futebol.
  6. Controle por um blockholder: na atividade empresarial em geral, a figura do controlador – blockholder – é vista com fator potencialmente positivo na governança corporativa. Coloquialmente, tal fato é dado pela expressão “o olho do dono é que engorda o porco”. Para o futebol de clubes, essa figura do blockholder não é natural dado que os administradores atuam por mandatos e mesmo a cúpula diretiva máxima não é “dona” do clube. A cogestão permitiu que se emulasse essa situação conferindo às decisões um potencial maior de alinhamento aos propósitos máximos do futebol, i.e., vencer e convencer.

Essa reciprocidade de ganhos entre os parceiros é identificada pela Economia dos Contratos como um quadro de dependência bilateral, situação em que Parceiros, por meio de um contrato, têm condições de extrair ganhos contínuos de um relacionamento sem que incorram numa integração formal entre as partes.

Conclusão

Como se viu na discussão acima, a Parceria Palmeiras-Parmalat marcou-se por uma lista explícita de direitos e obrigações entre as partes, manteve intactos os fundamentos legais de cada parceiro, tinha fundamentos teóricos para existir e teve resultados palpáveis para ambas as partes.

Quaisquer comparações que se queiram fazer com a situação presente envolvendo Palmeiras e Crefisa/Fam têm de levar em conta as características acima listadas.


[1] Entre 1996 e 2000, cursei mestrado strictu-sensu no departamento de administração da FEA-USP. No segundo trimestre de 1996, fui recebido pelo próprio José Carlos Brunoro – executivo da empresa que liderou o processo junto ao clube – no escritório central da Parmalat, então sediada na Vila Olímpia em São Paulo. Nessa conversa, ele esclareceu vários detalhes práticos que, analisados à luz do referencial teórico da disciplina – Economia dos Contratos – possibilitaram o trabalho final.

[2] Números estão citados de memória e estão sujeitos a uma revisão de base documental.

*Douglas Monaco é leitor e padrinho do Verdazzo