Cultura da mesquinhez ameaça a profissionalização do futebol

O mau momento do time em campo, já em meados de junho, preocupa demais a torcida do Palmeiras. Campeão brasileiro, o time se reforçou muito bem na janela de verão e abriu o ano como o maior candidato a papa-títulos do país. As duas mudanças no comando técnico, no entanto, atrasaram demais a evolução do grupo, que ainda sofre com desfalques: além das lesões, Cuca tem que lidar com as convocações para seleções e com a necessidade de poupar jogadores diante da brutalidade do calendário.

Tendo o desentrosamento como obstáculo e com pouco tempo para promover treinamentos táticos, o rendimento do time está muito longe do sonhado pela torcida e temido pela imprensa. Com isso, a pressão cresce, trazendo a necessidade de se arrumar um culpado.

O clube atravessa um momento político de retrocesso, depois de quatro anos de avanço intenso em todas as áreas – resultado da filosofia implantada por um presidente que tinha lastro para se impor diante da carcomida política palestrina. O atual presidente poderia ter se apoiado na estrutura que o alçou ao cargo, mas circunstancialmente as relações ruíram, abrindo caminho para que uma velha raposa voltasse ao comando, mesmo sem cargo executivo – e trazendo com ela as mesmas ideias que nos relegaram ao segundo ou terceiro plano do futebol brasileiro por muitos anos.

Na cabeça dessa liderança, profissionalização é desperdício de recursos – pelo menos, o discurso é esse. Tendo toda a sua rede de poder edificada sobre práticas de compadrio, defende que os antigos associados do clube têm toda a condição de desempenhar funções que, diante da competitividade brutal do futebol de hoje, exigem alto grau de especialização. A blindagem à Academia de Futebol foi escangalhada e os vazamentos de informações voltaram a ser rotina.

Cultura da mesquinhez

Alexandre Mattos
Cesar Greco / Ag.Palmeiras

Em muitas corporações a cultura da mesquinhez prevalece. Quem chega cheio de ideias e boas intenções e começa a mostrar serviço, logo desperta a resistência dos mais antigos que imaginam que a posição que um dia conquistaram deve ser eterna. Se você conhece um lugar assim, saiba que no Palmeiras é pior. Desde que chegou, Alexandre Mattos, um profissional jovem, com jeito de falar e de se vestir peculiares, que dirige um carrão igual aos dos jogadores, incomodou bastante – mas os resultados em campo o tornaram um alvo difícil de derrubar – sobretudo quando o presidente era quem dava a palavra final.

Em menos de seis meses, muita coisa mudou: o atual presidente nem de longe consegue ter a solidez do antecessor e cede às mais variadas pressões, de todos os lados; o time passa por um momento ruim e as análises da imprensa, quase sempre muito pobres e baseadas em resultados, concluem que o elenco do Palmeiras não é forte – ou, pelo menos, “não tão forte como se imaginava”, dando mais munição a quem defende a demissão de Mattos, que definitivamente foi colocado na linha de tiro.

Sempre tem que haver um culpado

Para os padrões brasileiros, o elenco do Palmeiras não é forte; é fortíssimo. Mas quando os resultados passam a rarear, os jogadores que até janeiro eram sensacionais, hoje são “comuns” ou até “ruins”. A necessidade de se achar culpados faz com que as evidentes dificuldades para se acertar o time, já mencionadas acima, sejam reduzidas a uma suposta ruindade dos jogadores, “culpados”; e a uma suposta incapacidade do diretor de futebol que montou o elenco, mais “culpado” ainda. “Culpas” extremamente convenientes para quem está puxando as cordinhas e manipulando as marionetes.

Nossos problemas

Além da já mencionada violência do ritmo de jogos e da necessidade de alterar o time constantemente num momento de atraso na evolução do time em relação ao calendário, nosso elenco, de fato, tem falhas. A mais gritante neste momento é o segundo centroavante. Começamos o ano com Barrios, Alecsandro e a perspectiva de ter Borja, que se confirmou – mas a inesperada liberação dos dois primeiros para Grêmio e Coritiba obriga Cuca a recorrer a Willian Bigode. Fica cada vez mais evidente que isto não vai funcionar e que precisamos de uma reposição para quando o colombiano não estiver disponível.

As laterais também seguem sendo problemas; temos três opções para cada lado, contando os meio-campistas que podem ser deslocados sem maiores problemas (Jean e Michel Bastos), mas até agora nenhum encaixou – e mais da metade dos times da série A gostaria de ter qualquer um deles. O problema parece muito mais coletivo do que de qualidade individual. O time não está encaixando e precisa de tempo – artigo de luxo no futebol.

Covardia típica

Alexandre Mattos cometeu erros na montagem deste elenco – talvez não no planejamento, mas na execução. E tem que ser cobrado por isso. A rota precisa de correção – e isso passa pela contratação de um bom centroavante, pra começar, e não pela demissão de Mattos, como querem os velhos políticos do clube.

Aproveitar-se de mau momento do time para fritar o profissional mais capacitado do mercado, mas que não é infalível, é de uma covardia típica. A desfaçatez desses inimigos íntimos passa por criticar o fato do clube manter cerca de 80 atletas sob contrato, contando os emprestados – algo perfeitamente comum na administração de elencos. Quando selecionam os jornalistas amigos para aumentar a temperatura do óleo, esquecem-se, convenientemente, que há não muito tempo atrás existia uma estrutura chamada Palmeiras B e que dezenas de atletas encostados faziam suas rotinas em Guarulhos em meio a animados torneios de bobinho.

Nossa torcida não pode servir de massa de manobra e participar dessa fritura. O momento é de aflição pelos maus resultados, mas temos que confiar nos melhores profissionais do mercado que estão à nossa disposição. Cuca e Mattos estão vendo o que está acontecendo e não estão sentados. Se tiverem a confiança e o apoio da torcida, vai ficar mais difícil para que as forças retrógradas do clube tenham êxito em seus planos de bom-e-baratizar o time mais uma vez.

Mas bem que o presidente podia ajudar um pouco.

Com a volta dos vazamentos, Palmeiras torna a ser vítima de si mesmo

A Academia de Futebol, local de trabalho sagrado, se manteve livre de vazamentos nos quatro anos da gestão de Paulo Nobre.

O ex-presidente manteve blindado o local por onde circulam os atletas e comissão técnica para evitar que informações de dentro para fora (e também no caminho inverso) tumultuassem o ambiente.

Paulo Nobre fez muitas inimizades no clube por conta disso. Conselheiros habituados a frequentar a Academia – e também o vestiário, no momento do banho dos jogadores – perderam esse acesso; alguns até procuraram a imprensa para reclamar.

Nos últimos dois anos, amparado pela força do time e pela gestão impecável, Nobre tornou o ambiente absolutamente selado; não por coincidência, levantamos dois títulos importantes.

Maurício Galiotte
César Greco / Ag.Palmeiras

Hoje, entretanto, além da livre circulação pela Academia e até nos ônibus da delegação, há conselheiros influentes que adoram soltar tudo para a imprensa. Poucos personagens têm tanta proximidade com a Crefisa para saber exatamente com quanto a empresa apoiou o clube nesta ou naquela contratação. Basta conhecer um pouco dos bastidores do clube para saber quem são os vazadores. E o pior é que são veteranos que ocupam ou ocuparam cargos importantes e que não deveriam mais ceder ao deslumbre de ser fonte da imprensa e de influenciar nos noticiários.

Maurício Galiotte tem em sua força política alianças com outros grupos, depois de se afastar de Paulo Nobre. E para governar não pode ser tão rígido quanto o antecessor. Por isso, fez algumas concessões, até compreensíveis. Eduardo Baptista, que acabara de chegar, não teve parâmetros para cobrar mais sossego – achou normal. Mas Cuca, que sabe como é trabalhar em paz no Palmeiras, provavelmente vai achar ruim.

O fato é que muitos vazamentos invadiram o noticiário. Alguns são invenções, outros verdadeiros. Mas uma coisa é certa: quando nenhum boato se confirma, ninguém leva os seguintes a sério. Basta um vazamento se confirmar, para todos, até os mais absurdos, passarem a  ter algum valor.

O presidente precisa tomar atitudes no sentido de restringir o acesso aos ônibus e hotéis da delegação e à Academia de Futebol, bem como providenciar o silenciamento dos boca-abertas que não podem ver um repórter que já se arreganham.

Cobrança

Mauricio Galiotte foi cobrado na noite de ontem pelo grupo político Fanfulla. Abaixo, a íntegra do texto enviado pelo grupo, preocupado com a falta de blindagem do elenco, ao presidente:

O Grupo Fanfulla vem por meio desta manifestar sua preocupação com os constantes vazamentos de informações que estão chegando na imprensa ultimamente, causando situações de constrangimento e embaraço para a comissão técnica e jogadores, o que pode afetar o rendimento do time e por consequência colocar em risco os objetivos esportivos da temporada.

Sabemos que uma das grandes virtudes das últimas temporadas, que culminaram com as conquistas da Copa do Brasil em 2015 e do Campeonato Brasileiro em 2016 foi a rigorosa blindagem da Academia de Futebol. Nossos atletas e comissão técnica tiveram paz absoluta para focar em treinar e jogar, e as conquistas foram uma consequência natural dessa tranquilidade.

Mas infelizmente notamos que as notícias de bastidores do Palmeiras voltaram a invadir os programas de TV e rádio e os sites esportivos. Boa parte delas são apenas reflexo de boataria infundada, mas por outro lado sabemos que algumas notícias que deveriam permanecer intra-muros são reais. São esses pequenos vazamentos verdadeiros (por exemplo, o valor das luvas a serem pagas ao Cuca pela Crefisa) que dão força para que os boatos mentirosos ganhem força.

A Academia de Futebol precisa ser um ambiente hermético. Nenhuma pessoa alheia ao futebol deve ter acesso ao local de trabalho de nossos atletas, com as devidas e compreensíveis exceções. Mas o que notamos é que essas interações perigosas viraram regra, tanto no dia-a-dia dos treinos quanto nas viagens.

Compreendemos que a governabilidade em nosso clube exige alguma flexibilidade com todas as correntes políticas, mas algumas contrapartidas estão colocando em risco o bom andamento das atividades do time de futebol, nosso maior orgulho. É por essas razões que o grupo Fanfulla pede à presidência atenção especial à blindagem da Academia de Futebol e ao fluxo de informações que deveriam permanecer dentro de nossa comunidade, sem alimentar o noticiário.

Grupo Fanfulla

Galiotte se alinha completamente a Mustafá e define diretoria, com retaliações

Mauricio Galiotte
Fernando Dantas/Gazeta Press

O Presidente Mauricio Galiotte confirmou as expectativas e definiu ontem a diretoria que o acompanhará no resto da gestão. O cargo mais importante, o de diretor remunerado de futebol, exercido por Alexandre Mattos, foi mantido.

Os diretores administrativo e financeiro, Paulo Roberto Buosi e José Eduardo Caliari, também seguem no cargo. Caliari foi pivô da manobra que deu a Leila Pereira a condição estatutária para concorrer a uma cadeira no Conselho Deliberativo. Foi premiado.

O único diretor que foi a favor da impugnação da candidatura e mesmo assim foi mantido na posição foi Alexandre Zanotta, do departamento jurídico – neste caso, contou demais a competência profissional do conselheiro, mas não se pode descartar o peso do despiste – manteve-se um dos insurgentes exatamente para tentar descaracterizar a retaliação coletiva.

Estão fora da gestão Galiotte figuras importantíssimas e estratégicas na reconstrução do Palmeiras nos últimos anos: Luis Fronterotta e Ricardo Galassi, que estavam no planejamento; Marcio D’Andrea, da tesouraria; e Guilherme Pereira, também do jurídico. Em seus respectivos grupos políticos, todos foram lideranças no movimento que tentou manter o estatuto do Palmeiras ileso, contra a canetada que vendeu uma cadeira no Conselho à patrocinadora do time.

Os vice-presidentes Genaro Marino e José Carlos Tomaselli, que também votaram pela preservação do estatuto do clube, embora não possam ser destituídos, na prática estão completamente isolados, alheios a toda decisão estratégica da gestão. Ambos foram muito atuantes nos últimos quatro anos.

Por que isto aconteceu?

Mauricio Galiotte é refém de Mustafá Contursi. Qualquer um que se sentasse naquela cadeira, sem uma boa articulação política, seria.

A estratégia de Mustafá foi simples: Paulo Nobre tinha o desejo de ser o diretor estatutário do futebol, para trabalhar ao lado de Mattos. Galliotte preferiu deixar Mattos com mais autonomia e vetou a ideia, já criando a primeira fissura. Mustafá então aproveitou o equívoco de Nobre no timing de apresentar a impugnação da candidatura de Leila para criar um impasse. Galiotte, sob intensa pressão, acabou cedendo às emoções e rompeu com o amigo, que seria seu esteio político num possível embate. Ao manipular o afastamento de Paulo Nobre do clube, Mustafá ficou com a faca e o queijo na mão.

Para se ponderar: Galiotte ficou entre a cruz e a espada. O presidente não tinha uma, mas duas facas em seu pescoço. Para sua sorte, os dois estavam do mesmo lado. Se Galiotte se mantivesse leal a sua corrente política, imediatamente perderia a governabilidade, controlada por Mustafá, e o apoio financeiro da Crefisa. Manteria a independência e teria a seu lado um ex-presidente com bastante influência, mas sem ferramentas importantes nas mãos. Ainda assim, seria algo possível de contornar.

Uma coisa é certa: se decidisse peitar Mustafá e Leila, o time deste ano já não seria tão forte. Borja não seria nosso. Sua decisão é questionável, mas parece um exagero tachá-lo de B3 pela internet, como já se pode ver por alguns torcedores menos envolvidos.

E agora?

Mauricio Galiotte tem nas mãos, hoje, um clube totalmente saneado financeiramente e organizado. Os sistemas e métodos estão normatizados e no curto prazo nada se altera.

O futebol segue forte, pelo menos este ano. Mattos sobrevive à fogueira de vaidades mantida por Mustafá, mas factoides serão criados e transformados em bola de neve no primeiro fracasso do time. A frigideira já está acesa.

Para agradar a seus currais eleitorais, Mustafá deve privilegiar gastos com o clube social, que haviam sido asfixiados na gestão anterior. Galiotte, impotente, vai ceder. Com as receitas recorrentes comprometidas, o time de futebol ficará cada vez mais dependente de aportes pontuais da Crefisa.

A Crefisa, por sua vez, ainda não se deu conta de onde se meteu e curte intensamente o sonho da publicidade que nunca teve antes. Quando enjoar da brincadeira – e isso acontecerá cedo ou tarde, diante de uma operação que claramente envolve valores acima do mercado – tirará o time de campo, literalmente. Já passamos por essa situação há pouco mais de 15 anos e o resultado não foi nada bom.

O que podemos fazer?

Xingar muito no Twitter não resolve nada. O único jeito de tentar reverter a situação é ficando sócio do clube e se unindo aos grupos progressistas que se mantêm já há muitos anos ativos e que conseguiram, quando tiveram as portas abertas, implantar os avanços que são visíveis hoje.

Politicamente, entretanto, esses grupos, como o Fanfulla, seguem minoritários dentro da estrutura política arquitetada por Mustafá, que idealizou o estatuto, reescrito em sua gestão. Só um movimento popular intenso pode diminuir o desequilíbrio imposto por um conselho em que 148 das 300 cadeiras são compostas por vitalícios – e as regras para a eleição destes privilegiam apenas os amigos de quem já está no poder. É uma estrutura viciada que só pode ruir em caso de uma pouco provável traição, ou de um movimento popular intenso.

Caso o leitor sinta que chegou a hora de participar mais ativamente de todo esse processo, o caminho é se informar com os grupos políticos de torcedores sobre como ficar sócio, e engrosse as fileiras lá dentro. Se preferir, entre em contato com o Verdazzo. Mas prepare bem o estômago e preste bastante atenção em tudo o que estiver à sua volta. A política do Palmeiras não é para iniciantes.

O pensamento vivo de Mustafá

Mustafá Contursi
Keiny Andrade/Folhapress

Mustafá Contursi concedeu uma longa entrevista publicada ontem na Folha de S.Paulo. Nela, com a mesma habilidade com que manipulou o Conselho e reescreveu o estatuto do clube, o que lhe confere poder eterno no clube, nega tal influência. Crê piamente em seus conceitos claramente ultrapassados e atua fortemente para reimplantá-los no Palmeiras. O material completo pode ser lido aqui.

A entrevista começa com uma grande pérola. Perguntado sobre o que o clube precisa fazer nos próximos anos, crava: redução de 20% das despesas em todos os setores. Mustafá tem a percepção de que o clube está gastando muito sem ponderar que, pela primeira vez em décadas, o clube consegue ser superavitário ao mesmo tempo que consegue resultados expressivos. Em seu pensamento, não importa ter as contas equilibradas; o que não pode é gastar – mesmo que esse investimento seja o combustível para as receitas extraordinárias que o Palmeiras alcançou. Mustafá confunde austeridade com avareza.

A recomendação de cortar 20% em cada área é patética. Mustafá defende uma medida que não pode se aplicar nem em orçamento doméstico. Provavelmente deve achar que o investimento na implantação do SAP no clube foi dinheiro jogado fora. O papel de pão ainda deve lhe ser de grande valia.

Mustafá bombardeia o departamento de marketing e justifica, criticando uma suposta deficiência na força de vendas. Para isso, usa o fato da Crefisa ter batido na porta do Palmeiras para fechar o patrocínio, e não o contrário. Segundo Mustafá, os profissionais que desenvolveram dezenas de contratos de licenciamento e fizeram do Avanti um sucesso estrondoso usam o Palmeiras como cabide de emprego. Para ele, marketing é apenas sinônimo de “departamento comercial”.

Com todos esses conceitos, não é à toa que, quando o futebol do Palmeiras esteve de fato sob seu controle, tivemos um desempenho digno de uma Portuguesa. Não compreende que o futebol mudou, que novas metodologias foram desenvolvidas, que o mercado está muito mais dinâmico e que para se ter um elenco com 30 jogadores dignos de vestir nossa camisa, é necessário ter bem mais que isso sob contrato, pois jamais alguém acerta 100% das contratações. Hoje, jogador que não dá certo é realocado por empréstimo, e a fila anda. O que não pode é ter um monte de atleta disputando Bobinho Open em Guarulhos – ou colocá-los no Palmeiras B, uma de sua invenções que sangrou os cofres do clube por anos.

Alexandre Mattos é uma máquina de fechar contratos, seja para reforçar o Palmeiras, seja para aliviar nossa folha de pagamento com os jogadores que ficam fora dos planos. Para Mustafá, hoje no Palmeiras há muitos profissionais que trabalham apenas em interesse próprio. Incomoda demais ao velho cartola perceber que o setor mais importante do clube esteja nas mãos de um “forasteiro”.

Poder

Mustafá Contursi age nas sombras. Como um mestre da manipulação, construiu durante anos sua fortaleza de poder. Trilhou o caminho da presidência nos anos 70 e 80, para alcançá-la no início dos anos 90, no melhor momento possível: quando a Parmalat havia acabado de entrar no clube e exercia a co-gestão do futebol. Dinheiro não era problema, e os títulos mascaravam todo o resto.

Por resto, entenda-se uma enorme puxada de tapete: seguindo a sucessão de arranjos políticos da casta que comanda o clube há seis ou sete décadas, Seraphim Del Grande era o próximo da fila para assumir a presidência do clube após os dois mandatos de Mustafá. Mas aquela cadeira parece ter mel. Mustafá usou a influência que pode ter um presidente do Palmeiras para solidificar a lealdade eterna de dezenas de conselheiros. Deixou Seraphim na mão, passou por cima do estatuto e ficou na presidência o quanto quis – o tempo necessário para moldar o clube à sua imagem e semelhança. Todos os departamentos do clube social foram controlados por alguém indicado ou abençoado por ele. Os votos nas eleições eram direcionados nesses pequenos feudos aos candidatos de sua chapa.

Não havia democracia. O grupo que se insurgiu contra ele, o Muda Palmeiras, capitaneado por Seraphim Del Grande e Luiz Gonzaga Belluzzo, não podia nem usar camisetas de ordem pelo clube: quem ousasse protestar, tinha o adereço retirado e era expulso do quadro associativo. Uma lista negra foi construída por seus pequenos passarinhos, que espionavam os fóruns de internet e anotavam os nomes de torcedores que representavam um potencial perigo. Quando estes palmeirenses tentavam ficar sócios do clube, eram barrados. Marcos Kleine, guitarrista do Ultraje a Rigor, é o exemplo mais famoso – mas há dezenas de casos.

Na base do terror, Mustafá cravou suas garras no clube, e só perdeu o poder quando provou de seu próprio veneno, quando Affonso Della Monica o surpreendeu e se aliou à oposição para conseguir seu segundo mandato. As portas para o Muda Palmeiras se abriram, e o Palmeiras finalmente  conseguiu montar bons times entre 2008 e 2009. Mas passou rápido e foi infrutífero.

Apesar de palmeirenses legítimos com grande preocupação com o futebol, a Muda Palmeiras, que deu origem à chapa UVB, tem quadros também muito fracos; o máximo que conseguiram foi um Paulistão. Pior: no mandato seguinte, Belluzzo não conseguiu recuperar os investimentos pesadíssimos, não os converteu em mais títulos e teve um seriíssimo problema de saúde, deixando o clube com um enorme vácuo de poder. Como resultado de tudo isso, Mustafá voltou com tudo, recuperou facilmente o apoio dos conselheiros que o haviam traído e conseguiu colocar na cadeira o presidente mais incapaz possível: Arnaldo Tirone, também conhecido como Pituca, o Loiro.

“O MEU clube”

Mesmo com todo esse histórico, Mustafá teve a desfaçatez de declarar à Folha que não tem apego à política do clube. Diz que se deixou envolver e que agora tem responsabilidades, como se não tivesse escolha. Quem circulou por muitos anos pelas alamedas e mais de uma vez o ouviu se referir ao Palmeiras como “o MEU clube”, em discursos que transbordavam ostentação de poder, tem sérias dúvidas sobre essa declarada falta de apego.

A última demonstração de poder foi a mudança de data de associação de Leila Pereira, dona da Crefisa. Mustafá usou o gosto pela publicidade de Leila para acolhê-la em sua chapa – com o marido, José Roberto Lamacchia, na aba. Os dois emplacaram suas eleições e puxaram mais de dez conselheiros para a chapa de Mustafá, que assim ampliou consideravelmente sua base de poder, que diminuía eleição após eleição.

Mustafá só respeita o dinheiro. Foi assim que Paulo Nobre conseguiu habilmente impor o profissionalismo no clube – na hora da discussão, as operações financeiras propostas pela equipe de Nobre, e conseguidas com seu prestígio financeiro, eram irrefutáveis.

Maurício Galiotte não tem esse prestígio financeiro e parece não ter envergadura política para manter a roda girando. Mustafá, com sua meta de 20%, já está manipulando a troca da competente diretoria que nos levou ao topo do futebol brasileiro pela turma do papel de pão. Inclua nesse bolo, quem diria, a UVB, aquela que lhe jurou ódio eterno em nome do amor ao Palmeiras. Como vemos, o amor era mesmo ao poder.

Coragem

Os frutos que colhemos em campo hoje foram plantados na gestão passada. Os ótimos resultados, como nos anos 90, cegam os associados e a torcida para o que acontece nos bastidores.

Toda uma estrutura está prestes a ser desmontada e a tendência é voltarmos ao estágio de 15 anos atrás – com a diferença que as receitas continuarão a ser enormes, mas não serão direcionadas ao futebol. Afinal, Mustafá defende claramente o fortalecimento do “quadro associativo” – seu grande curral eleitoral. Para sustentar esse enorme elefante, nada melhor que o dinheiro que mantém a hoje magnífica estrutura do futebol. Mas para Mustafá, é simples: “é só mandar gente embora”.

Pelo bem do Palmeiras nos próximos anos, precisamos que Maurício Galiotte encontre um jeito de manter a máquina funcionando. Além de habilidade política para compensar a falta de estofo financeiro, vai precisar de bastante coragem. Terá?

WTorre tira o Palmeiras de casa nas decisões para lucrar mais e doura a pílula

Máquinas retiram o gramado do Allianz Parque (25/3/17)
Reprodução: Twitter @wbortolotti

Já classificado como líder geral, o Palmeiras encerrará o mês de março e a fase de classificação do Paulistão nesta quarta-feira, em Campinas, contra a Ponte Preta. Desde o fim de janeiro, o Verdão vem usando o estadual para fazer acertos no time, adaptando o elenco, modificado em relação ao que encerrou o ano passado como campeão brasileiro, ao estilo de jogo idealizado pelo novo treinador, Eduardo Baptista.

Depois de dois amistosos, 11 jogos pelo estadual (contando três clássicos bem movimentados) e mais dois jogos pela Libertadores, o time parece ter encorpado. Os resultados apareceram e o time encerrará esta fase do ano como líder nas duas competições que participa. O elenco mostra ter abraçado a proposta do técnico e os treinos e viagens acontecem em harmonia. Tudo o que é necessário para chegar forte nas fases decisivas e conseguir bons resultados. Ou quase tudo, como veremos mais à frente…

A partir do final de semana, o ano começa realmente a pegar no breu, com as partidas que definirão a classificação para a fase eliminatória da Libertadores e a abertura do mata-mata do campeonato estadual. Nosso adversário e o local de jogo já estão definidos: enfrentaremos o Novorizontino, fora de casa, no próximo final de semana, para recebê-los uma semana depois. Não no Allianz Parque, mas no Pacaembu .

Calendário

A WTorre marcou três shows bastante próximos para os próximos dias: Justin Bieber, dias 1 e 2 de abril, e Elton John, no dia 6. A construtora conseguirá aproveitar a montagem do palco para os três shows, o que diminuirá seus custos e aumentará substancialmente sua margem de lucro. Mas o que aconteceria com o gramado, coberto por cerca de dez dias e castigado por três eventos? Certamente se deterioraria, tornando impraticáveis as disputas das quartas e das semifinais do Paulista e do jogo da Libertadores contra o Peñarol.

A construtora então recorreu a um método alternativo, caro, mas que pode ser custeado pelo assombroso lucro que deve auferir com o show triplo: programou a retirada e a recolocação do gramado. E dourou a pílula, colocando um vídeo em sua página no Facebook mostrando um processo semelhante adotado na Arena Amsterdam, há alguns anos. E todos nós sabemos: para brasileiro trouxa comprar uma ideia, é só falar que na Europa é assim, que os olhinhos brilham de deslumbre. E nem acha ruim que precisaremos jogar a partida de volta contra o Novorizontino no Pacaembu.

Esse processo não é economicamente viável num show simples, como será o de Sting, no dia 6 de maio. O evento será realizado com a configuração anfiteatro, em que o palco fica virado para a ferradura e ocupa apenas uma parte da grande área do Gol Norte. Mesmo com essa estrutura reduzida, não há tempo hábil para a desmontagem; caso o Palmeiras avance à final do Paulistão com a vantagem do mando, como todos esperamos, a finalíssima precisará ser jogada também no Pacaembu – algo confirmado ontem à noite pelo presidente Maurício Galliote no programa Mesa Redonda, da TV Gazeta.

A excelente campanha do Palmeiras na fase de classificação, que deu ao time o direito de mandar os jogos decisivos em casa, não poderá ser desfrutada. A WTorre, que quer, precisa e tem direito de lucrar com a estrutura multiuso do estádio, usa sua prerrogativa tirando time e a torcida de nossa casa justo em momentos decisivos por algo que parece ser um misto de descaso e incompetência em conciliar as agendas de espetáculos com a do futebol.

Atuando no Allianz Parque, o Palmeiras consegue vantagens esportivas e financeiras extraordinárias. Desde a inauguração, em novembro de 2014, o Palmeiras já mandou 7 partidas no Pacaembu e venceu 4, empatou 1 e perdeu 2 – um aproveitamento de 61%, inferior aos 72% de nossa nova casa, onde já levantamos dois títulos. Os mais de 30 mil pagantes em média proporcionam, a cada partida, mais de R$ 2 milhões ao Palmeiras, ao passo que no Pacaembu o valor arrecadado cai dramaticamente.

Mansidão

O Palmeiras e a WTorre precisam desenvolver em conjunto uma unidade de inteligência que consiga trabalhar nos bastidores junto a promotoras de eventos e entidades organizadoras do futebol (FPF, CBF e Conmebol) um mecanismo para conciliar datas e preservar os interesses do clube e da torcida.

A WTorre, tratada como parceira, não age como tal. A atual diretoria do Palmeiras decidiu traçar uma política de bom relacionamento com o incômodo inquilino, mas na prática verificamos uma postura subserviente diante do absurdo de nos vermos alijados de usar nosso estádio em duas das três partidas decisivas, incluindo uma final de campeonato.

Entendemos que tudo isso é resultado de um contrato patético, que rende processos de arbitragem que ainda estão em andamento. Mas enquanto as regras não são todas estabelecidas, será que não podemos jogar um pouco mais duro? Será que uma mensagem de boa sorte no telão do estádio conseguiu essa mansidão toda de nosso presidente?